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Além da torre de marfim

Além da torre de marfim

O sistema de ensino superior norte-americano é, reconhecidamente, um dos mais sólidos e de melhor qualidade do mundo. Mas além de oferecer uma grande variedade de tipos de instituições e formações (community colleges, liberal arts colleges, universidades renomadas e as prestigiadas da Ivy League), o país também passa por uma grave crise de financiamento do ensino. Os porquês desta situação e o impacto dela na vida de estudantes e jovens profissionais compõem o tema do documentário Ivory Tower, dirigido por Andrew Rossi em 2014. Por meio de entrevistas com educadores, estudantes, pais, pensadores da educação e empresários, Rossi traça um panorama alarmante.

O ensino superior norte-americano tem interferência mínima do governo no que se refere a gestão e destinação de recursos, mas nem sempre foi assim. Com os anos 80, o governo Reagan e o pensamento capitalista e yuppie em alta, o preço da educação nas instituições particulares e públicas, que também são pagas no país, aumentou muito. A postura do governo diante do tema era que se a educação superior era uma via a ser trilhada para quem quisesse ter uma vida melhor e mais próspera, o caminho natural era que cada pessoa pagasse por ela.

Mesmo que esta tese de Reagan possa parecer plausível, diferentemente do que era para muitos de seus pais nascidos durante o baby boom do pós-guerra, para os millenials ter um diploma superior tornou-se obrigatório, e muito mais caro. Não são poucos os estudantes que saem da universidade com dívidas de milhares de dólares, como Stephanie Gray, mostrada no filme como um retrato de sua geração. Desde 1978, as mensalidades passaram por constantes aumentos, atingindo a tenebrosa cifra de 1100%. Ao mesmo tempo, os fundos estaduais foram reduzidos cada vez mais, fazendo com que o financiamento privado se tornasse a única opção de milhões de estudantes terem acesso a uma faculdade. Até 2014, o tamanho da dívida do crédito educacional norte-americano impressiona: US$ 1,3 trilhões.

Custo alto, benefício questionável

Além da busca por lucro das instituições financeiras que oferecem o crédito educativo aos alunos a juros exorbitantes, Rossi mira instituições como a Arizona State University (ASU), que detém a fama de universidade mais festeira dos Estados Unidos, com suas infinitas pool parties e sua estrutura esportiva fantástica. Ela não é a única: a partir do momento em que uma escola oferece tal facilidade, as outras seguem a “tendência”. Há, sem dúvida, uma grande disputa pelos alunos, jovens entre os 17 e 18 anos, cada vez mais ávidos por novidades, distrações e incentivos. Mas do outro lado está a postura destas instituições, que de entidades destinadas à propagação do saber tornaram-se empresas lucrativas, que pagam milhões a seus reitores (como por exemplo Graham Spanier, da Penn State University, cujo salário é de US$ 2,9 milhões) cobrando mensalidades altíssimas.

Diante do desfile de valores irreais, pais são mostrados em visitas a campus, com semblantes incrédulos e esperança abalada. Numa delas, à New York University (NYU), uma mãe acompanha o filho por bibliotecas imensas, prédios históricos e até uma parede de escalada. “Isso tudo é muito interessante, mas é uma pena que custe US$ 60 mil por ano”, desabafa. Na Wesleyan University, em Connecticut, um pai, mais direto, pergunta ao reitor Michael Roth se ele garantiria que, ao estudar ali, a filha dele conseguiria um emprego e não voltaria mais para casa. A resposta do reitor é lacônica: a universidade tenta fazer a sua parte, mas não há certezas.

Tecnologia versus tradição

Outro ponto mostrado pelo filme é a questão do uso da tecnologia em sala de aula como uma ferramenta para melhorar o rendimento dos alunos. Tendo como ponto de partida o alto índice de evasão entre os alunos das universidades estaduais, Rossi toma como exemplo a San Jose State University, no Vale do Silício.

Para tentar melhorar o rendimento dos alunos de exatas, a instituição fez uma parceria com a Udacity, empresa de ensino a distância criada por um professor de Stanford. O resultado foi pífio: poucos alunos melhoraram suas notas, poucos deixaram de abandonar seus cursos. Outras iniciativas mostradas pelo diretor são mais efetivas, como os encontros da disciplina CS50, uma das mais procuradas em Harvard e voltadas para quem quer aprender programação, mas que por ter a supervisão de professores, oferece mais incentivo e apoio aos alunos.

Rossi também vai à outra ponta desta discussão, a dos “hackademics”, os estudantes que, pautados pelos exemplos de empresários bilionários da tecnologia como Bill Gates e Mark Zuckerberg – que não concluíram seus cursos superiores em Harvard – preferiram não entrar em uma faculdade para criarem suas próprias empresas. O diretor mostra um grupo de jovens de San Francisco, coração do Vale do Silício, que vivem em uma comunidade onde compartilham a casa, as contas e as ideias. O modelo é estimulado por empresários que movimentam bilhões de dólares, como Peter Thiel, fundador da PayPal e crítico contumaz da formação superior norte-americana e do custo dela. Thiel, inclusive, criou uma bolsa de estudos no valor de US$ 100 mil para estudantes brilhantes que queiram “pular” a faculdade e criar uma start-up.

Ivory Tower é um filme provocativo, que suscita grandes reflexões. Rossi questiona o preço, mas não o valor simbólico e prático que a universidade representa. E aponta que quem vai ditar o ritmo da aprendizagem – e ser um facilitador dela – ainda é o professor, por mais que o uso da tecnologia se faça obrigatório hoje em dia. A conclusão é que sem determinação e interesse, a tarefa de passar por um concorrido processo de application, dedicar-se a um curso e terminá-lo perde muito da importância que o período da universidade deve ter na vida de uma pessoa. A conclusão defendida pelo diretor é que perseguir uma educação de qualidade é uma batalha que os estudantes norte-americanos – e os de todo o mundo que escolhem a educação norte-americana – não devem dar como perdida.


Ficha técnica

Ivory Tower

Ano: 2014

Direção: Andrew Rossi

Duração: 97 minutos

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